Mais um: Blitzkrieg



“- Sim, o império está doente e, o que é pior, procura habituar-se às suas doenças.”
                                                                                  Marco Pólo, Cidades Invisíveis.


                                        Blitzkrieg


Desavisado passante, ele acordou com um sono contido, quase escondido. Quisera dormir a noite toda; não conseguiu. Raia o despertador, erro de um galo qualquer que não mais canta; hora de acordar. Faz se a luz com a pressão do dedo, faz a luz porque raiou o sol, instantes atrás, oras, luz. O teto branco, o quarto sujo, papéis por toda parte, restos de uma noite não dormida povoam aquela mente cujo vicio é o sonhar, de tal forma, no agora, ausente.
            Avisado do que acontece, ele levanta. Liga o computador de seu quarto e vai para a cozinha. Coloca água e café na cafeteira, e vai para a sala. Senta-se, e liga a Tv, enquanto acende o cigarro, falta o fogo, talvez no escritório. Achado o isqueiro, deita-se na poltrona, liga o rádio e fuma, o suficiente para se lembrar que tem fome e que não há nada além de café em sua cozinha. Levanta-se rumo a padaria, quando no portão retorna, esqueceu seu mp3, deve estar no quarto. Jogado ao chão, pega-o, seu celular apita, ali ao lado, é bateria. Coloca-o para carregar, fone no ouvido, parte, cantarolando para si próprio, música levemente desconhecida.
            Na rua, luzes do poste ainda cumprem seu trabalho.O andante escuta muito ruído neste silêncio, de qualquer maneira não perde muito. Não há muito que se ver, escutar, sentir, não há; um quase nada. Amanhece devagar de sua noite não dormida, sem sonhos. Pede, paga, recebe, retorna. Na esquina machuca o pé, cacos de uma garrafa de diversão. Xinga alto, deveria ter se lembrado de calçar um chinelo, um sapato talvez. Mancando segue até sua varanda, com seu esguicho lava o ferimento. Antes de entrar sobra tempo para reclamar da pilha de seu mp3, acabou. Segue.
            Pães na mesa da cozinha, café quente na xícara, curativo no pé. Ele retorna para seu quarto. Desaba na cama, ainda tem um pouco de tempo. Coisas distantes chegam a seu ouvido, um noticia trágica, alguém grita algo sem ritmo, uma pomba morta, chuva, sol, o dia que se seguirá e todas as responsabilidades de ser. Suas pálpebras estão pesadas, ele não tem sono. Pensa em apagar a luz, desiste antes de tentar, não pode.
            Inoportuna coisa, ele emerge, vagueia em busca de uma caneta. Ele rasga o verso de sua conta de luz com tinta vermelha, uma pequena dúzia de palavras. Levanta-se com seu cobertor, pega a chave de seu carro. Vai até a garagem, entra no veículo, banco de trás. Dói. Enrola-se no cobertor, cobre seus olhos. Negro e quente. Adormece, em posição fetal joga-se no sono, sonho. Hoje o dia tem luar, e a única conseqüência é que ele acaba aqui.

3 comentários:

Old disse...

Esse cara sou eu!
Com a diferença que não tenho carro.

Estante Velha disse...

Será msm?

Thaísa disse...

Detalhista.
Verbos.
Prosa.

Dor.

Gostei do texto.