Entrevista com um escritor de abas.

Trecho retirado da entrevista concedida por um autor, cujo nome não mencionarei, para revista “Causos do Jeca” de outubro de 2009.

CJ : Como um grande escritor de abas de livros, de que maneira o senhor definiria a arte de resumir um livro em um espaço tão pequeno?
Escritor de abas: Gosto de ilustrar minha tarefa com a seguinte imagem.(Espero que já tenha visitado o Rio de Janeiro). Imagine-se no alto do corcovado, aos pés do Cristo Redentor, umas das maravilhas do mundo moderno. Para mim, toda vez que escrevo a aba para uma grande obra, sinto-me como esse Cristo de concreto, uma dispensável criação frente a uma infinita beleza. Algo como se eu, mera insignificância mortal, ousasse postar-me de braços abertos frente à natureza, desafiando sua beleza natural com minha simples presença demasiada impura, humana. Oras, todos os que já subiram aos pés daquele monumento e realmente sentiram por todo o corpo, como uma miragem, a beleza daquela paisagem, compreendem que aquele horrendo esforço de terra, pedra e cimento, humanamente imperfeito, inverso ao encanto da imensidão natural, não passa de um chamariz. É óbvio, para mim, que ele, o Cristo Redentor, não se coloca de braços abertos como um alguém a dar as boas vindas, a esperar por um abraço. Ele esta lá crucificado, a exibir a sua pequenez frente a grande obra.
Senti-me especialmente assim ao escrever as abas de Guerra e Paz, de Leon Tolstoi. Fui obrigado a registrar para a posteridade a minha insignificância, minhas palavras estão lá, crucificadas. Embora meu trabalho seja de um anonimato que pode ser entendido tolamente como confortante, a mim, não há o desconhecimento do autor daquelas palavras desnecessárias. Cada aba para mim é um novo sacrifício. Considero-me um masoquista, afinal, gosto do que faço, pois no fundo a um certo tipo de coragem entrincheirada nas linhas que abraçam as letras de uma grande obra.