Uma agenda qualquer


Salve traça! 
Posto um texto marcante hoje, para mim é claro. 
Enfim ilustro o texto, eu que tanto amo a arte de desenhar, com uma imagem  de minha autoria, se é que se pode falar de autoria neste caso. 




Uma agenda qualquer


Veste-se em silêncio, uniforme diário. O jaleco branco, sujo, cala-se em amarelo discreto. Rosto limpo, barba sepultada, adentra a impessoalidade higiênica do hospital. Efervescente em agonias e carnavais, sua mente retorna às sangrias nostálgicas de um tempo charlatão, onde seu velho avô, morto morrido em casa, sorri em despedida ao neto, que indiferente gargalha do fim. Ele se lembra do avô e do brinquedo, e também do trabalho; a medicina que os liga, em ciclo. Em sangue e sono, o dia se passa, feito sonho mal vivido. No bar, desaba com o psicólogo: a cada dia sofro asas, cada vez maiores. Whisky, profissional de renome internacional, desenha em pensamentos: Há asas, mesmo esqueléticas, em cada servente com as costas marcadas pelos sacos de cimento; em cada bit de transações bancárias; em cada empréstimo feito à juros do feto feito na noite, de pinga e paixão, da já imemoriável cidade flutuante. Há asas sim, entre arranha-céus e palafitas, entre nuvens de concreto e de tinta, onde se sorri, da chegada e da partida, da morte e da vida.  Isso! EU também sorrio, aqui as palavras, minhas asas...

- Doutor, com licença, estamos fechando. Gostaria de pedir algo antes de fecharmos a conta? – Diz o garçom, impecável na educação, a tanto custo, decorada.
O jovem doutor, pede então mais um whisky, passando as mãos do garçom uma quantidade de dinheiro que em muito sobrepuja o valor devido. A gorjeta fabrica um sorriso rápido e inesperado.
Uma vez só, as palavras do doutor Silva voltam a correr pelas linhas da agenda, cobrem totalmente o dia, cheio de compromissos, que se seguirá.

...não sobrepujam o brilho de meu crédito, no banco assenta-se minha dignidade. Cuspir em letras as asas sofridas, isto é tudo? Não, nem tudo se resume a corrosão dos sonhos; lágrimas assinarão os versos vindouros, sem identidade, sem existência.
















           Foto da família Silva no sitio em Manaus, Amazonas. Da esquerda para direita: o avô, Roberto, o pai, Beto, e o neto, Robson.


8 comentários:

Thayna_sp disse...

Muito forte o texto, adorei!
Fiquei curosa para ver seu desenho, aqui em casa não apareceu.

Bjks

Estante Velha disse...

Salve Thayna!
A "imagem" é esta que vc viu msm. Você já é a segunda pessoa que me pergunta da imagem, acho q deveria ter sido mais claro. Ela é só o quadro em branco,pois assim vc cria a imagem q quiser, ao mesmo tempo em q representa, onde a vida deste médico o leva, ao esquecimento.:)
Um abraço e obrigado pelo comentário

Dungeonmaster disse...

Muto loko o texto, tem uma profundidade ímpar.
Qdo tiver um tempo dá uma visitada em meu blog e me diz o que acha.

Rachel disse...

Olá Rafa!
Muito massa seu blog...vou ler com calma seus post.
bjs

Estante Velha disse...

Falae Rogério!
Muito bom seu blog, comentei alguns textos lá...dá uma olhada.
Um abraço

Estante Velha disse...

Obrigado pelo elogio Rachel, sinta-se a vontade nestas prateleiras largadas as traças.
Um abraço.

Luism disse...

Boa tarde Rafael,

Muito interessante seu texto, e como você pediu para que eu lesse criticamente, o fiz.
Gostaria que você se atentasse um pouco mais a voz autoral, que em certos momentos parecesse adentrar a voz do narrador / escritor da história, o médico.
Outra coisa, você tem uma tendência dramática muito forte, mas como o conto é muito curto, acaba não chegando muito bem ao leitor, pois este não consegue se apegar ao personagem, pois não teve tempo. Sugiro que você escreva coisas mais longas, dedicando maior tempo a criação do elo entre personagem e leitor.
No mais, o texto está bem consistente.

Um abraço e não desista.

Luis Miguel

Estante Velha disse...

Salve professor Luís!
Muito obrigado pela crítica, ela é muito importante, me faz perceber que não estou falando com o espelho.
Quanto a "intromissão" autoral, acho intrigante, você poderia, por favor, me mostrar o trecho, para que eu possa pensar melhor.
Com relação ao drama, vivo me policiando, queria ser capaz de escrever um texto mais seco, mais magro, mas tenho muita dificuldade com isso. Imagina isso em um romance? Temo que o drama cresça ainda mais.
Um abraço e é bem vindo pra continuar com suas visitas.