Números ed.2


Salve traça!
Na página de Downloads já está disponível a segunda edição de Números. 
Lanço aqui o inicio do conto, que se chama Cara e Coroa.
Espero que apreciem estas letras especialmente envelhecidas.




Cara



    Dedicação e entrega total a religião tais foram as escolhas de João, que neste instante revisava mentalmente as dádivas alcançadas devido ao apego às suas crenças. A casa no condomínio de alto nível, o carro importado, a filha prestes a nascer, a mulher com quem se casara, no entanto a enunciação cíclica de recompensas não afastava seus olhos dos jovens seios a sua frente, tenros, pêssegos implorando pela colheita, sua boca compactuava com a imagem mental,  paladar excitado; deguste do desejo. Casa, carro, mulher, filha, filha e coxas magras brilhantes, ainda em desenvolvimento, entregues a admiração, ofertadas ao deleite. Como podia usar uma roupa tão curta? Casa na praia, moto de mil cilindradas, férias na Europa e uma calcinha rosa, seria ainda decorada de ursinhos? Ou seriam estrelinhas? Ela já superou a temática infantil? Sítio no campo, apartamento na capital, mas teria ela pelinhos? Loiros, tal qual os cabelos? A mesa de mogno recebia carinhos enquanto a boca salivava.
    - Somente deus pode ajudar seu pai, minha criança. Não somos uma instituição de caridade, você tem idéia de quantas pessoas vem aqui pedir dinheiro?  - questiona o jovem pastor de dentro de seu elegante terno.
    - Mas pastor João, se meu pai não tomar estes remédios...
    - Somente o caminho do senhor leva à salvação. As portas na vida de seu pai se abrirão se ele buscar a presença daquele que tanto o ama. Nosso senhor Jesus Cristo acolhe aqueles que adentram sua casa. Traga seu pai ao culto e vocês serão abençoados.
    - Como ele virá ao culto morto? - as palavras tropeçam na língua da menina.
     Cabisbaixa Sônia mergulha na visão de seus chinelos amarelos. Seus cabelos loiro-encaracolados resplandecem de juventude. Sua mão, inquieta, corre as coxas, como se uma coceira fosse o problema.
    - O senhor não pode ajudar, somente dessa vez? – sussurra.
    Carne vermelha, quente, os olhos do pastor invejam as pequeninas mãos, anseiam por tocar aquelas coxas que as unhas marcadas pelas tarefas diárias coçam. João, incapaz de manter o olhar, abaixa também a cabeça. Encara-se a frio, reconhece o homem que escolhera representar e responde.


    - Sônia, talvez você seja muito jovem para entender, uma garota ainda, mas compreenda, somente duas pessoas podem ajudar a seu pai: deus e ele próprio. Se eu desse dinheiro a seu pai não o estaria ajudando em nada. Ele precisa abrir os olhos e aceitar o caminho de deus.
    As palavras do pastor ecoavam em Sônia, eram conhecidas, como se viessem sendo repetidas há tempos. Um falatório que não lhe dizia nada, “coisa além”, incapaz de conexão com a vida cotidiana de uma garota de12 anos que cuidava do pai, bêbado e doente. A única certeza que a menina detinha é que precisava de ajuda, e talvez, fosse sua responsabilidade tomar o controle da situação. Àquele par de límpidos olhos morenos não servia a inocência, que tão bem vestia o corpo em promessa de flor.
    João levanta-se, caminha até a estante onde uma bíblia ilustrada decora o ambiente. No caminho repara no pescoço de Sônia, na nuca exposta pelos cabelos presos, sua boca se manifesta, novamente. Folheando a bíblia ele busca fuga, precisa ofertar palavras sábias, é o mínimo, mas a memória lhe foge. Inesperado, o abraço da menina o arrepia. A garota se aperta contra seu corpo e um cheiro de produtos de limpeza sobe-lhe ao nariz. De olhos fechados respira fundo, um erro, na escuridão a mente exibe o filme que os olhos anseiam ver. Na barriga sente os seios ainda em formação da criança, abraço apertado, segundos de prazer, a ereção é impossível de ser disfarçada. Precisa se desvencilhar.
    - Se quer ajudar seu pai traga-o ao culto esta noite. Isto é tudo, agora tenho de tratar de outros assuntos. Adeus.






Continue lendo>>>>Download Números_ed.2
Crédito da imagem :Tamburini - Ranxerox.

8 comentários:

Thayna disse...

Que susto! ótimo conto. Inicialmente fiquei assustada com o conteúdo mas depois percebi(eu acho)o que vc quis dizer, o capitalismo e tal.
Ecreve mais!

Anônimo disse...

Já pensou em pensar um pouco mais no que escreve?

Estante Velha disse...

Salve traças!
Obrigado pela atenção Thayna, venho tentando escrever com maior frequência aqui para o blog, mas estou passando por um periodo de provas, espero que ano que vem possa me dedicar mais ao blog.
Quanto a pensar no que escrevo, é o que mais faço, mas como disse Dylan, não escrevo para ser compreendido, escrevo para me compreender, inserindo-me no mundo. Um abraço!

Rodrigo_Sp disse...

Gostei mais do primeiro Números, mas visualmete este esta melhor. Parabéns...

Thais disse...

Prostituição e capitalismo, a ideia q vcteve para tratar desstes assuntos foi bem criativa, gostei!

Estante Velha disse...

Vivendo e sempre, aprendendo, ou não. Espero que eu edite muitos Números ainda que eles, ao menos na parte física, melhorem continuamente.
Obrigado pelos comentários.

Devil_master disse...

Recebi seu texto pelas maos de um amigo, os desenhos são legais e o texto também. Oem q site vc arramja estes desenhs?

Estante Velha disse...

Devil_master aqui vc encontra os créditos para cada imagem:http://estantevelha.blogspot.com/2011/07/downloads.html
Obrigado pela leitura e pelo comentário.