I - Silêncio ensurdecedor
Tanto do amor 
Em silêncio 
Emoldurado 
Sem ânsia 
A conta-gotas
À distância
A dúvida:
A distância
concentra ou dilui
o amor?  
Tagarelice...
A distância,
distancia. 
Versos no papel, um quarto vazio, ecos ainda suando sobre a cama, o lençol ainda marcado. 
Cicatrizes na carne , nos panos manchados, na memória.
Angústia, porta fechada, silêncio. 
Ele liga. 
Eles vão se encontrar... 
II - Silêncio bruto
A escuridão amanhece cheirando a sonhos mofados. O olhar dopado ainda tinge a realidade de vestígios oníricos. Toda a arquitetura do reino de Morfeus insinua-se nos mínimos detalhes daquela manhã. A fechadura da porta o ameaça com sorriso de desdém, ele a abre. A cortina da sala move-se ensandecida ao som de um fado português, ele tenta ignorar. O vento frio matinal guia seus passos até o banheiro. No espelho a confirmação: terra devastada; domingo de ressaca. A água não lava, nem alivia. O reflexo agride. 
Caminha de volta ao quarto. A janela limita a figura que vê nos céus: algo entre um pavão e uma serpente move-se em desafio à realidade, saudando-o em meio às nuvens com um sorriso sibilante e abissal. Se esforça para crer que está tudo bem, que a quimera não lhe devassa os olhos, que o dia não se prepara para se introduzir nele à força, que não há mal agouro, apenas imaginação. 
Deita-se ao lado dela. Aquele par de olhos, outrora conhecidos, agora o desafiam a compreensão. Ela vê, mas não enxerga. Sua visão o esvazia. Ela busca atalhos, mas encontra labirinto. Retalhos de memórias e do que foram, do que desejavam ser, são carregados pelo frio vento contínuo do dia que os toma de assalto. 
O que ele esperava? Mesmo o filme que assistiram, romântico, antecipava o fim. A levou para uma noite de felicidades, porém só bailaram com os fantasmas de si próprios. Deitaram para  se redescobrirem e acordaram em um covil, reféns; auto-exilados.  
Um suspiro, um bocejo; o silêncio é precário. Paira a ameaça beligerante do adeus. A solidão falha ao tentar maquiar de esperança e vida o mais ignóbil e envelhecido dos espantalhos. O cheiro excessivo do álcool trai qualquer narrativa menos visceral. O futuro agora é do pretérito; possibilidade não realizada. A noite inacabada rompe na manhã ressequida para que penumbra do não-dito seja varrida pela iluminação crua do encontro daqueles olhares. O espaço entre eles é preenchido pela ausência.  
Acabou...
III - Silêncio austero
A festa da ilusão nunca acaba? A tarde já e noite e ele está só novamente. Observa a foto que foi planejada para ser um presente, para permanecer exposta na entrada da casa em que um dia viveriam. Nela, a imagem de um passado feliz em que se abraçavam e compartilhavam um domingo de felicidades, sorrisos, planos e trilhas por desbravar. As cores envelheceram mal, não aparentam vitalidade; fantasiam-se em preto e branco. O sabor amargo perdura enquanto ele lança o porta-retrato em uma gaveta qualquer. Em sua mente reticências terminam esta história, entretanto sabe que o tempo apagará dois dos três pontos.        
Crédito:
Imagem 1 - Alterada - Capa de Amor nos tempos do Cólera, 6ª edição da editora Record
Imagem 1 - Alterada - Capa de Amor nos tempos do Cólera, 6ª edição da editora Record
Imagem 3 - Alterada - https://noticias.up.pt/metade-dos-homicidios-conjugais-sao-precedidos-de-violencia-domestica/


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