Salve traça!
Enfim, após dois meses sem postar nada, um pouco de bits amarelados. Razões? Talvez seja porque não tive saco de escrever sobre o Natal durante o Natal; retorno agora. Como o conto é em 4 partes, vou acelerar e tentar postar o mais rápido possível. Veremos. Aproveitem, pois o ar está carregado da poeira de meses sem movimentação!
A insustentável nobreza de ter.
Parte II - Na fábrica
Júlio seguia o senhor engravatado pelas ruas da
fábrica. Além daqueles dois homens, não havia pessoas lá. Milhões de máquinas
trabalhavam produzindo incessantemente. O quê? Não era possível reconhecer, o
processo era rápido demais. Pequenos componentes eram soldados, encaixados,
prensados. Era possível sentir a magia naquele local, o mágico funcionamento do
progresso técnico, a máquina e seus truques incompreensíveis. O galpão era
enorme, no céu, pois era muito alto para ser um teto, cabos e canos de várias
cores se cruzavam em estradas. Energia, combustível? Impossível saber. Fato
estranho para Julio era que ali sua perna, antes purulenta, estava boa: não
doía ou fedia. Ele só percebeu isso quando começaram a subir uma escada. Ao
longe, no alto da escada, atrás de um vidro, via-se a silhueta de um homem grande,
gordo. Sua posição era ameaçadora, de poder. Este era o chefe, com certeza.
Para onde estamos indo?
Providenciar seu presente, só precisamos cuidar
de uma pequena burocracia.
Você é mesmo Papai-noel?
Ora Júlio, não me faça rir. Como pode perguntar
uma coisa dessas e nem ficar vermelho?
Calada, a dupla continuou a subir as escadas. Com
a altura se tornou possível olhar o complexo industrial de uma nova vista,
porém quanto mais se subia menos nítidas as máquinas ficavam. Grandes braços
mecânicos movimentavam-se em linhas elevadas, giravam livremente movimentando
componentes mil. Estranhamente não havia fumaça, ou mesmo qualquer cheiro que
indicasse um ambiente fabril. O passado voltava à mente de Júlio no compasso da
sinfonia concreta. Antes de ver sua vida em queda livre, ele fora feito gerente
de uma montadora multinacional, em outras palavras, conhecia, como poucos, o
ambiente fabril, e isso o assustava, pois naquele lugar sentia-se descobrindo a
América, tudo era exótico, feito de outro tipo de matéria, no entanto, fantasiando-se
de comum. Como se "algo mais" dissimulasse o fato de não ser uma fábrica, feito
tesão, fingindo-se amor em busca de uma gozada adequadamente satisfatória.
Metáforas à parte, ele seguiu, com um aperto no alto da garganta.
Enfim, de frente com a sala no topo da fábrica
eles pararam. O senhor, impecável em seu terno, após abrir a porta, apontou
servilmente o caminho para Júlio. – Por favor – Diziam sua mão e seu rosto, ligeiramente inclinados para esquerda, mas, evidentemente Júlio hesitava. Respirou
fundo; disfarçou nada.
A sala era simples, branco sobre branco,
higienicamente hospitalar. Uma mesa de escritório, silêncio, duas cadeiras, um
velho enfeitando o canto, figura de porte, olhos voltados para a imensa
fábrica.
Vamos, senta.
– Disse o velho com uma voz estranhamente fina, de maneira alguma
condizente com seu físico, enorme.
Júlio, segurando o riso, senta-se. Arruma o
cabelo, afaga a barba, encara a ponta de seus tênis velhos. Com o pé direito
ritma o tempo que se estende em silêncio, total. Toda aquela ausência de ruído
o faz pensar não estar mais na fábrica. No entanto, as máquinas visíveis pela janela
onde se encontra o velho desmentem seus sentidos.
O velho senta-se: enorme, pesado, sólido. Seus
cabelos e barbas são de um branco amarelado, estragado. Restos, provavelmente de
comida, povoam sua barba. Seu rosto lembra a aparência estereotipada de papai-noel, porém
algo não se encaixa. Sobras, restos e faltas, mas ainda, trajando a pele de "papai-noel de sempre". Veste uma calça social preta, uma camisa branca e um
suspensório para manter a calça sobre a barriga. De uma gaveta, abaixo da mesa,
retira uma garrafa e um copo. Abre, cheira, cala. Seus olhos se fecham, seu
peito se espuma, um sorriso rola em seu rosto. Vagarosamente, dois dedos do líquido
marrom claro são lançados no copo. Ele guarda a garrafa e ,com o copo em mãos, diz:
Você nunca vai beber isso.
Uma vez mais Júlio segura o riso. A voz do velho
é muito fina, de criança mesmo. Como pode alguém tão grande ter essa voz? De
maneira a não sorrir, acaba fechando os olhos e abaixando a cabeça. Respirar
fundo também é importante. Tem de se controlar, é impróprio rir da cara dos
outros, aprendeu isso junto com a lição de respeitar os mais velhos, na mesma
época em que descobrira que papai-noel não existe.
Se eu descrevesse o gosto desta bebida você
enlouqueceria de desejo. Mas pode sossegar, não farei isso... Tenho juízo. Ei,
olhe para mim quando falo com você! Está com algum problema?
Não senhor...não senhor...
Muito bem, você pediu outra chance, certo?
Você é papai-noel? E aquele outro senhor?
Relações públicas. Prefiro que ele faça o
primeiro contato, tem lábia, saca? Aquele maldito poderia te fazer meter uma
arma na garganta e puxar o gatilho, e, se ele quisesse, você faria sorrindo de
agradecimento. Mas, se pensarmos em termos básicos, ele passa uma imagem melhor
que a minha, mais aceitável. Sabe como é, toda essa coisa de gordura em excesso,
sem falar no minha relação com a bebida. Essa geração politicamente correta é
uma merda gigante. Tenho saco não. Fico aqui no controle, que é o que faço de
melhor. Sem falar que não temos tantos clientes quanto antigamente. Não, não! Sem nostalgia, é verdade. Good old times. Mas é isso, não dá para arriscar
perder um cliente só porque estou de ressaca. Então ele cuida de todo estes
procedimentos de primeiro contato.
Júlio somente olhava para papai-noel, tudo
parecia surreal demais para se aceitar sem titubear. Mas, sem dúvida, o mais
perturbador era a voz. Era como se uma criança chata, que fala demais, ficasse
puxando papo no meio do velório de sua própria mãe. Não dá...
Porra, você é mudo? Que caralho viu! Quase nunca
vem ninguém aqui, e quando aparece alguém, é um retardado que não fala. Puta
que o pariu, haja saco viu. – Disse o velho entornado o copo de bebida em um só
gole. – Olha, negócio é o seguinte, você pediu outra chance, pois bem. Só
preciso que faça algo para mim. É tipo um teste para eu ver se você não vai
ferrar com sua vida de novo. Vou te levar no setor de bombons, lá trabalhamos
voltados para a nova classe média. O povinho avarento que não tem um puto para
comprar algo melhor, e fica dando caixas de bombom no natal. Enfim, você irá
provar os bombons que produzimos. Quero que você me diga qual dos bombons da
nossa linha é o melhor, o mais gostoso, aquele que para você é o ideal. Avalie tudo, e quando digo tudo, é desde a
embalagem até o cheiro do seu peido depois que digerir o chocolate. E por que
isso? Você me pergunta com essa cara de trouxa que não está entendendo nada.
Simples, sua nova vida será tão boa quanto o bombom. Nossos engenheiros tem um
algoritmo complexo que relaciona e converte as mais variadas características do
bombom em variáveis para sua “nova vida”. Assim, a cor da embalagem, pode ter
relação direta com o local onde será sua casa. A consistência do bombom pode
estar relacionada com sua relação amorosa com sua nova mulher, ou mesmo com
seus filhos. Obviamente não entendo desta conversão, muitos detalhes técnicos.
Eu sou o chefe, só aprovo e faço com que funcione. Entendeu?
Muita informação e pouco tempo, como assim
relacionar bombons com sua nova vida? Júlio somente balançou a cabeça, em um
gesto muito mais de consentimento do que de compreensão.
Então me diz? Você está com cara de que não
entendeu porra nenhuma.
Júlio engoliu o ar que lhe faltava. Pensou fundo
e soltou, feito gemido. - Eu escolho um bombom e, quanto melhor ele for, melhor
será a vida que o senhor me dará.
Isso porra! Basicamente. Mas ó, você tem que
provar e já tomar a decisão. Você provará cada bombom uma única vez, não tem
volta não, então fica esperto. Quando você decidir você pega e fala para meu
assistente: é esse que eu quero. Daí ele vai rodar o algoritmo de conversão e
você vai acordar em sua nova vida, nova chance, novo eu, novo tudo...O que você
sempre quis, todo bacanão e tal. Bom para caralho, né não?
Júlio permanecia em silêncio, o que mais havia para
fazer? Não é possível nadar contra a correnteza na queda da cachoeira, frase de
vovô. Restava seguir o percurso, mergulhar. Escolher um bombom? Simples, se é
isso que ele quer.
Beleza então, já perdi tempo demais. Tenho que
voltar ao trabalho. Noue, – gritou papai-noel – acompanha o Julinho aqui para o
setor de bombons, ele vai fazer o teste.
E assim Júlio saiu, acompanhado de Noue, o velho
encarregado das relações públicas de papai-noel. Eles se dirigiam para o setor
de bombons.
3 comentários:
OIE Rafa!
Passando aqui depois de um bom tempo longe...problemas e mais problema
Estou gostando desta história...principalmente da primeira parte.
bjks
Estou gostando deste conto. No entanto, achei a primeira parte mais visceral (mas bem estruturada na sondagem psicológica da personagem) do que neste segunda parte. Mas, mesmo assim, está muito
bom. Parabéns, Rafael Martins.
Salve!
Obrigado pelos comentários, Maria e Leandro.
Concordo com vcs, acho realmente a primeira parte melhor. O conto é em 4 partes, e, na minha opinião, a primeira é realmente a melhor. Estou tendo problemas com a narração intercalada com os diálogos, sinto que tenho que aprender muito ainda no que se refere a isso. Vou tentando!
Obrigado pelos comentários!
Um abraço.
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