Salve traça!
Começo a publicar esta semana um conto em três partes. Na real, acho que deveria ser lido de uma sentada, como diria Poe, no entanto quem conseguiria? É longo.
Caso não entenda nada ao término, tenha ESPERANÇA, quem sabe na semana seguinte venha a compreensão.
PS: Comecei a publicar esta semana o material antigo do Mutarelli, continuarei a fazer isso com periodicidade semanal, ao menos este é o plano. Se não viu ainda, pode ver aqui.
Começo a publicar esta semana um conto em três partes. Na real, acho que deveria ser lido de uma sentada, como diria Poe, no entanto quem conseguiria? É longo.
Caso não entenda nada ao término, tenha ESPERANÇA, quem sabe na semana seguinte venha a compreensão.
PS: Comecei a publicar esta semana o material antigo do Mutarelli, continuarei a fazer isso com periodicidade semanal, ao menos este é o plano. Se não viu ainda, pode ver aqui.
Menina mentida.
I
“Ela vende velas acesas
Falta fé na palavra
na carne.”
Um dia você ainda vai ser alguém, deus te deu inteligência,
um dom.
Encolher de ombros.
Dom, inteligência, talento, e após 16 calendários eu
carregava na barriga o sepulcro de todas as esperanças que tinham por mim, eu
não os salvaria, mas enfim, nunca realmente quis. Não diria estava feliz, seria exagero, mas ao
menos os sonhos de príncipe encantado eram passado, enterrados, sem redoma de
vidro, beleza eterna e tal: não erro duas vezes.
Posso não ser religiosa, mas tenho apego por catar
aleatoriedades que vem a minha praia. Junto-as com prazer, nelas escuto
destinos. Bobeira? Sim, mas não me poupo das risadas a mim destinadas, faz
parte. E então chego ao ponto do ônibus, fim de tarde, trânsito epilético. Cansada,
vagava os olhos à caça de conchinhas, foi quando a vi. Ela não jogou o primeiro
saco de lixo em minha vida, esta culpa não lhe pertence, porém esta era a primeira
vez que eu admirava o precário do existir; perplexa.
Velha, seca, cabelos loiros e castanhos, privilégio de
tinturas baratas e mal feitas. Calça jeans suja, blusinha preta, decote
esqueleto. Estava quase de costas para mim, do outro lado da rua. Anotava algo
na mão. Seu rosto indiciava uma parede logo à frente. Curiosa, acompanhei. Um
anúncio decorava a parede do terreno baldio: “trago a pessoa amada em uma
semana.” Uma, duas, três vezes, fiz o trajeto que ligava o olhar da velha ao
anúncio, não havia dúvida.
Intrigada, encarava deliberadamente a velha, que logo
percebeu. Um par, para meu espanto, de dois belos olhos castanhos me fixou. Sua
pele lembrava as secas anunciadas em cadeia nacional. Seus lábios estavam
tingidos em vermelho sexo. Trazia no rosto um sorriso sem dentes, uma
felicidade em vácuo. Estávamos ligadas, não conseguia desviar minha atenção
daquele rosto vazio. Demorou para que eu entendesse que ela não ria, mas sim
mostrava-me o futuro. Esta foi a primeira vez que vi a escuridão.
Naquela época julguei a velha em termos de crendice popular
e esperanças tolas. Tomei-a por alguém que saltara de simpatia em simpatia, de
trabalho em trabalho, construindo prisões à prova de relacionamentos. Se a
mandinga resolve, se traz o objeto amado, então o problema é ter dinheiro para
pagá-la, oras, nada de diferente da realidade não sobrenatural. Embora minhas
conclusões fossem levianas eu sabia que havia algo além de minha compreensão
ali, algo que conectava a velha a mim, algum tipo de ligação que espelho algum
refletiria. Vez ou outra me pego naquele fim de tarde, colada àqueles olhos que
não piscavam.
E então o mundo piscou e momentaneamente tudo escureceu. Caí
de joelhos, minha barriga queria explodir, entre minhas pernas algo
escorria. A velha desaparecera, mas aqueles olhos eclipsaram portas sem
caminhos, portos sem mar. A ultima coisa que vi, já no chão, foi um carrinho
improvisado, transbordando papelão, se distanciando. Era ela?
Nunca mais a vi e todas as vezes que pisco, sempre a vejo.
Nunca mais a reencontrei e todas as noites nos encontramos. Em momentos como
esse, sob a luz do luar, em que me banho nos perfumes dos restos da sociedade,
em que lavo meus pés nos dejetos do consumo, tomo consciência que no inconsciente
caminho percorrido, me tornei aquilo persegui.
Lixo.
Lixo, tal qual a velha, retrato do precário.
Vê-se um sorriso.
Crédito: Imagens pertencentes ao álbum Eu te amo Lucimar, de Lourenço Mutarelli.
Você pode fazer o Download de Transubstanciação, de Lourenço Mutarelli, aqui.
Você pode fazer o Download de Transubstanciação, de Lourenço Mutarelli, aqui.
3 comentários:
Nussa rafa, esperando pela continuação...
Embora naum tenha entendidi quase nd.
Salve Thayna, obrigado pela visita, mas ó: as coisas só pioram. :)
E então Thayna, com a segunda parte conseguiu entender melhor alguma coisa?
Um abraço
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