Nascido
franzino, mal feito e José. Não cresceu e virou Josézinho, por pressa de vida é
hoje chamado de Zézim, pequeno ou não, calha o nome. Já são mais de nove horas
da manhã, isso quer dizer atrasado; de novo. Zézim passa do quarto para o
banheiro. Tranca a porta. O sujo fica fora ou dentro? O banheiro é limpo.Olho com ânsia de
garimpeiro para o homem. Cavoucando sua pele mole, descubro invernos
incontáveis, noves fora, não dá para perceber nada além. A imaginação fértil, na
lentidão dum piscar de olhos, relaciona o fato de uma escova de dente rosa sendo
jogada com raiva no lixo, com uma desilusão amorosa; a possibilidade do “ela” surge.
Ao lixo seguem: batom, creme, vários vidros de perfume. Será que ela se
esqueceu? Ou talvez um assassinato? Será que ele a matou? Ele não tem cara de
mau, de fato tem cara de nada, mas é pobre, e daí para ser assassino é um
pisca.
O homem se
olha fundo no espelho. Sabemos que o lado de lá destes objetos é o reino do
desespero, no entanto não sabemos se Zézim é um desesperado; ainda. Passa vagarosamente
as mãos pelos cabelos: corte curtos, visual padrão. Ele quer o prazer de
arrancar um bocado de cabelos, mas ainda o não faz. Arrisco que falta; ainda.
Há quem fale
de terremotos pensando em cidades, prédios, pessoas, aos milhares, soterradas
em escombros. Mas quantos pequenos terremotos não ocorrem todos os dias? Como
este, solitário, lançando o corpo magro de Zézim no gelo do chão do banheiro.
Quando olho de
perto o corpo de Zézim, sua pele branquinha parece rir poesia; feliz em ser fantasma
de si mesma. Vejo-o jogado em silêncio e me pergunto: seu lirismo é epidérmico
ou enxertado?
A parede do
banheiro não tem reboque, o teto não tem laje e a porta não tem tinta. Folhas
de jornal escondem os tijolos, pintam o ambiente com o cotidiano. O banheiro:
tijolos empilhados formam o pequeno quadrado, serve. Zézim fecha-se aqui para fazer
coisas de si: deita-se no chão e olha embaixo da privada como quem vê algo,
talvez fantasia de Valdisnei; princesa, fada, inseto? Angústia, feito
vazio de brinquedo favorito roubado da existência presente. Não sou criança. Se
me vêem espernear, o que pensam de mim as gentes crescidas? Os tijolos-giz são hoje tijolos-casas e sei
que algo se perdeu na transformação: resta o mundo sem trevos de quatro folhas.
Busco algo ao fazer dessa vida esbarateada no chão brinquedo.
Curioso, tento
ver o que ele vê. Aquilo que tenta alcançar com a mão, embaixo da privada. Pega
Zézim! Vamos com isso, para que essa lentidão? Tão lerdo, deve ser do tipo que
coleciona desaforos em casa; calado.
Pegou!
Eis que não é
um inseto. É um bastãozinho, isso mesmo, daqueles que dizem sim ou não para a
gravidez. Zézim aperta, torce, morde! Sabe ele que urinam ali? Alguém fez arte
naquele bastão, sem permissão do ministério da cultura ou ajuda pública. O homem,
agora, volta ao espelho. Objeto que por desatenção, quase me esqueço de
mencionar. Única coisa nova do banheiro, recém comprado e instalado, novíssimo;
pachorra é a imagem nele, parece plástico derretido, engruvinhado.
Grita Zézim!
Chora ou sorri; que seja. Está arrependido homem? Feliz, quebrado, dor de rim
ou prisão de ventre? Ah Zézim, que necessidade de saber de ti; por mim. Você
calado e eu pensando, borrado.
Não Zézim,
não!
Apagou a luz.
Saiu.
Bateu a porta.
E eu aqui?
Fico com a hipótese da vida; dele. Sem saber de vilões e heróis; das dores:
horrores ou amores? Rimo para não rir. Para voar; menos. Assassino, pai, corno,
desempregado, suicida, liberto? Ê Zézim! Tudo que sei de ti é pouco. Você não
está preso as limitações de minha imaginação; só eu. Que sei além do escuro do
banheiro sem janela, do cheiro de urina, da umidade íntima, do teste de
gravidez abandonado. Suspiro egoísta: que será do homem? Apago também, quieto.
Arranhador de superfície: fofoqueiro, comentador, alheia; esse tanto de
sofrimento que não custa lágrima.